domingo, dezembro 31, 2006

BAIÃO DE DECISÃO


acredito no futuro, quero crer
que o olho que tudo vê,
há de vislumbrar a cura,
dar a pista á criatura
que quiser desenvolver...

Deus criou um mundo grande, tudo fez,
e ao homem disse bem,
- Eu já fiz a minha parte,
dei-lhe a vida, dou-lhe a arte,
só te resta ser alguém...

O remador que quer chegar, que reme,
já que tem um barco sobre o mar,
quem quer de mesmo chegar,
não tema virar,
poi, se virar, há de recuperar;
se a maré lhe levar
tu há de se levantar,
a vida é só pra quem lutar...

Chega de esperar, já tomei minha decisão,
posso revirar e fazer meu destino à mão,
esse ar, posso respirar,
alimento, posso comer,
vou cantar pra fortalecer meu poder de não aquietar,
quem quiser faça como eu,
ou senão pode se calar,
e ficar feito boi no pasto,
esperando a morte chegar...


EDUARDO ALVES

sexta-feira, dezembro 29, 2006

MUITO ANTES DO QUE EU PENSAVA, SURGIU ISSO:

Observâncias

Desde a semana anterior ao Natal ele estava lá, no mesmo lugar. Dia após dia eu passava e mirava seus olhos de piedade. Seria agora? Alguma pergunta sobre? Nada.
Preferi não me pronunciar, poderia causar uma leve, súbita, falsa esperança... Se bem que até me interessava, afinal são seis reais no barbeiro da esquina de casa. Excelente investimento, em outro momento de finanças folgadas.
Seria a mesma? Procurei saber, buscando detalhes em comum. Algo diferenciado da embalagem que vi ontem? Nada. A mesma, a encalhada, aquela. Nenhum interesse humano, neste plano físico. Talvez se um vento, daqueles que surpreende a tudo, viesse num rompante e derrubasse o objeto lá embaixo, na vala imunda que era um rio há algum tempo, talvez assim ele comemorasse o interesse de algo ou alguém pelo que tinha em mãos. E saísse, sem vintém, mas vitorioso. Vitorioso contra si mesmo, num masoquismo explícito. Dando tapas na cara imbecil da falta de valor e prosperidade do homem comum à margem do que não bate à sua porta.
Ele sequer dizia algum pregão. Não mercava. Não falava das vantagens. Silêncio absoluto. Toda palavra calada muito mais necessária como pano de fundo à cena repetida. Todos os carros embaixo do viaduto buzinando a euforia da manhã apontada para o nada. Todos os precipícios, juntos, afunilados numa caixa de plástico contendo uma máquina de cortar cabelos fabricada numa sub-China qualquer. E ninguém queria! Resignado.
Mas ali, febril. As faíscas lhe correndo as veias. O sangue renovado de agonia a cada olhar. De onde eu vejo, do ângulo trágico e cru da impiedade poética, me vale de munição cosmopolita para tentar vingar a dor do homem reduzido ao pó do caos. Metralho o mundo ao meu redor com essa falta de pudor verbal. Irmano-me ao homem que tenta vender uma mesma máquina de cortar cabelos há três semanas e não consegue.
Pelo menos para mim, ele guarda um silêncio direcionado, exclusivo. Deve saber que ando indignado. Por ele e por cada um feito ele, apenas diferente no objeto que vende. A vida não quer comprar. O mundo não aceita. Passo por ele e naquele instante comungamos de uma angústia dividida. Ele me agradece por não comprar sua máquina. Eu o agradeço por me dar fôlego à escrita. E caminho, sem olhar para trás, e agora que a alma me dói tanto espero que o próximo tenha levado a máquina pra casa. E por um precinho nada camarada.

HOJE, APENAS UM DOS MEUS POEMAS ANTIGOS E NADA MAIS.
IMAGINO QUEM SOU EU PARA DEFINIR QUE ATÉ O FIM DO DIA NÃO VÁ ME VENTAR ALGUMA OUTRA NECESSIDADE DE POSTAR ALGO.
MAS, POR HORA, ESTÁ FEITA A MINHA VONTADE...


QUINZE


quinze feridas nas mãos
por quinze flores ter roubado do proibido,
paguei as flores com o preço dos espinhos,
e cumpri o meu destino
como pedras do caminho;

quinze facadas no peito
por quinze pragas ter rogado contra o céu,
eu amarguei a boca com meu próprio riso,
e esquecido do carinho,
fui morar no mundo frio...

quinze misérias nos olhos,
meu amor no barco
me deixando ali,
pasmo em seu partir,
amor que eu neguei, e só quando perdi
vi sua grandeza...

a quinze voltas de chave
eu tranquei o amor
dentro do meu medo, mas me arrependi,
e esperei sofrer
quinze golpes seus
mas o amor, certeiro,
me matou no primeiro...


EDUARDO ALVES

quinta-feira, dezembro 28, 2006

MIGALHA

Só a sombra
do sol
dormente
agora...
mas cá dentro do peito,
um sol capturado,
num momento de atento olhar,
perfeita paz,
certeza,
de ser o sol que estivera
me informando
dessa luz.
Um algo que no pouco se traduz
mas não reduz-se
à mera tradução
que calha
migalha que produz o pão
na mão
da falha.


EDUARDO ALVES

BOI DE PIRANHA

Este é o verso primeiro
A adentrar no rio d’alma
E ao certo ser digerido
Por mil emoções famintas
Abrindo as comportas do pranto
Ou os mil e um sóis de sonho
Ou até mesmo se danando por completo
Na areia movediça de alguma amargura.


Este é o verso-janeiro
Que há de iniciar um ciclo
Caminho do meu futuro
Detentor de outras sêdes
Que só beberão mais tarde
Mas que já despachei, revoltas
Às páginas do meu depois.


Quero ver em que momento
Vais me mandar aos infernos
Ou em que outro momento
Poderás me acalentar
Minha alma publicada
Mapeada, estampada
Diante dos olhos teus
Só pede misericórdia.


Não mate-me sem ler-me inteiro,
Nem ame-me neste momento
Espere-me suar a febre
Que me acometeu agora
E ao fim desse meu delírio,
Eu, despido de qualquer brilho
Acerte-me um dardo mortal
Ou plante-me no seu jardim.

EDUARDO ALVES

CÂMBIO, DESLIGO...

que tal começar pelo fim, camarada?
devo estar acustumado a esse expediente cinematográfico.
Vamos rebobinar o vocabulário e ver como chegamos a isso, se éramos tôscos desde sempre, se nascemos assim... se a raspa do tacho que nos inventou estava irremediavelmente contaminada pela " Bactéria do Tôsco "; é isso que deveremos ser, tudo nos aponta e nos remete nessa direção. Fomos indicados para esse cargo vitalício...
Conformidade já, camarada... a banda passa e vc dança junto... aquela mesma banda, lembra, que vc execrava, aquela que te lembra caralhos a quatro que não deveriam ter acontecido...
mas você dança mesmo assim, por que será? Deve ser porque tanta gente dança... e você, no fundo, quer fazer parte disso, dessa estatística milagrosa, o milagre da multiplicação da alegria democratizada e da gentileza ilimitada... a massa... a galerona!!!! todos uniformizados, que imagem mais linda, os milhares, os tantos, os vários... i'm sorry...
vai, vai com eles... se lance...
Nas entrelinhas, nas letras miúdas do contrato, por detrás dos medos, da angústia, da fúria contra tudo, da postura contrária, há uma necessidade infinita de adequação. Você na verdade não queria ter vindo com esse buraco no meio da alma, que é por onde escorre a imensa alegria do mundo, que já não te afeta. Você e esse seu trágico defeito de se emocionar com Samba-canção e canções de amor perdido, e rocks sessentistas. e filmes de conteúdo melancólico, e saudades, e reencontros, e cenas tórridas de amor... ah, por que você não é comum meu Deus, eu queria te encontrar num supermercado comprando cereal matutino e me indicando uma boa marca de margarina... só assim eu teria certeza da existência de Deus!
mas é assim mesmo, devo amar até o meu inconformismo com sua situação alienígena. Eu te vejo muito mais pelo seu despreparo que pelo seu desatino. As suas falhas são suas armas. As suas escolhas são suas vítimas...
Você pode se perguntar o porquê de eu ser tão analítico, e de eu agora focar você com tanta propriedade... eu acho que é porque você não me pertence, e eu tento parecer íntimo seu, em mim mesmo, decifrando suas torturas. auto-torturas. tortuosidades. Deve ser. Certeza de nada...
Quanto a mim, o que sou já me afronta o suficiente.
Me embrenhar na lama funda da desconstrução de mim mesmo, é tarefa pra muito mais tarde.
Por hora, falo de você pra pedir uma senha ao universo.

Câmbio, ligado... na frequência da luz e do pânico... fazendo uma varredura íntima, na veia da alma, assaltando as palavras mais tôscas, e não menos magnícas. Ponha as mãos ao alto, num gesto de apelo a algo que te desmistifique.